quarta-feira, 9 de julho de 2008

Repensar a Carreira de Investigação Criminal

Quando tomei posse como Agente Estagiário da Polícia Judiciária, há perto de 25 anos, a nossa estrutura orgânica era simples, clara e eficaz. De facto, os investigadores integravam equipas de trabalho com 5 ou 6 pessoas, designadas Brigadas que, por sua vez, em número de 2 a 4 se enquadravam em Secções, dirigidas por Inspectores e apoiadas por uma estrutura administrativa e de apoio. Não havia outras modalidades. Era só assim. Que saudade…

Penso que a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, potenciou alterações, de facto, nos conteúdos funcionais das várias categorias profissionais na nossa Polícia, e dessa forma, causou alguma confusão a nível da estrutura organizacional. Parece que ainda não se conseguiu ultrapassar essa situação.

Assim, hoje temos Brigadas com 2 funcionários e Brigadas com 9, equipas de trabalho com vários Inspectores e eufemísticamente designadas por Núcleos, Brigadas chefiadas por Inspectores, Secções dirigidas por Inspectores Chefes, outras dirigidas por Coordenadores Superiores, Secções sem um único Inspector Chefe… Enfim, é, hoje, muito difícil (eventualmente mesmo impossível) explicar (e compreender) a nossa organização hierárquica e administrativa.

De resto, as bases da diferenciação hierárquica tradicional assentavam, para além da competência, na antiguidade ou nas habilitações académicas. Ora estes dois últimos requisitos deixam de ter, cada vez mais, razão de ser, porque a antiguidade está, nos modelos de administração pública como o nosso, cada vez mais a ser posta de lado como valor para promoção (lembremo-nos do famoso “princípio de Peter”) e porque o nível académico de acesso é, hoje, o da licenciatura, comum a todos.

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Sendo Inspector Chefe dos mais antigos (ainda fui Subinspector), não tenho dúvida em afirmar, com o devido respeito por outra opinião, que o modelo que parece mais adequado e correcto é o tradicional, e que o mesmo devia constar em regulamentação própria para poder ter força efectiva.

Assim, um Inspector Chefe serviria para chefiar uma Brigada, a qual teria um efectivo expressamente definido (por exemplo) entre os 4 e os 9 Inspectores, um Coordenador de Investigação Criminal teria a direcção de uma Secção, unidade orgânica integrando 2 a 4 Brigadas, e a um Coordenador Superior de Investigação Criminal competiria a gestão superior de um conjunto de Secções no seio de um departamento maior ou a direcção de Unidades orgânicas territorialmente autónomas. Admitir-se-ia a constituição dos tais Núcleos, de composição variável e existência temporalmente limitada, sempre que fosse necessário fazer face a um problema concreto e específico, um pouco à maneira dos “task groups” dos americanos. Tão simples como isto.

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Contudo outras opiniões podem existir e outros modelos poderão ter de ser considerados. Os quatro níveis hierárquicos hoje existentes podem, eventualmente, ser considerados excessivos. Há serviços policiais estrangeiros nossos congéneres, com apenas duas categorias hierárquicas: os “special agents” e os “supervisors” no F.B.I., por exemplo. Na sua orgânica interna existem estruturas semelhantes às nossas Secções, com um “supervisor” e um grupo alargado de “special agents”, de onde se formam os “task groups”, com composição, duração e especificidades adequadas à tarefa concreta que lhes irá ser atribuída.

Assim passaríamos a ter, apenas, Coordenadores de Investigação Criminal e Inspectores e a nossa orgânica interna assentaria nas Secções de onde se constituiriam, sempre e quando necessário, Núcleos de Investigação, de composição e duração variáveis. Também assim se poderia trabalhar, eficaz e motivadamente.

Pode perguntar-se o que iria acontecer aos actuais Inspectores Chefes. Uma solução fácil e flexível seria, por exemplo, de facultar aos melhores deles, por meio de concurso ou mesmo de escolha, o acesso a cursos de promoção. Lembremo-nos que, com este novo modelo, o quadro de Coordenadores de Investigação Criminal teria, necessáriamente de ser aumentado. Aos mais antigos seria facilitada a passagem à disponibilidade, até atingirem a idade da aposentação. Os restantes, ficariam num quadro a extinguir quando vagasse, até reunirem as condições para concorrer à promoção ou à passagem à disponibilidade. Lembre-se que nem somos muitos. Devemos rondar os 150.

Quanto aos Inspectores, passariam a aceder directamente ao posto seguinte, o de Coordenador de Investigação Criminal, como hoje já podem fazer, mas assim (e a curto prazo), sem a concorrência dos Inspectores Chefes.

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Fica a ideia. Penso ser a altura oportuna de analisar estes e outros aspectos. A estrutura da nossa carreira está para ser repensada face às alterações das carreiras na função pública e, de alguma forma, também somos parte interessada. Pode (e deve) ser, também, no seio da A.S.F.I.C.P.J. que este tema deve ser analisado e debatido.


João Fernandes Figueira
Associado nº 771 da A.S.F.I.C.P.J.

7 comentários:

Anónimo disse...

Até que enfim.
Haja alguém que se assuma.
A maior parte dos Inspectores Chefes até nem tem habilitações académicas mínimas para exercer funções de chefia na administração pública.
Fora com eles.

Anónimo disse...

Este João Fernandes Figueira, Associado nº. 711, deve ter uma avença da ASFIC para escrever neste blogue.
Para além das opiniões dele só há textos da imprensa.

Anónimo disse...

Isso só acontece porque, apesar de se "dizer" que vivemos em democracia, muita gente ainda tem medo de expressar as suas opiniões.
Infelizmente, parece que alguns colegas, só não têm medo é de ir para os jornais "explicar detalhadamente" como é que os vários departamentos desta casa funcionam... ou não. Se não têm gosto em trabalhar aqui, vão-se embora, não fazem falta. Caso contrário, enquanto aqui estiverem, honrem a Instituição e, sobretudo, honrem e respeitem os colegas que continuam a lutar orgulhosamente pela dignificação da carreira e da P.J. em geral.

Anónimo disse...

Este Sr. Figueira começa por dizer que é Inspector Chefe dos mais antigos da Polícia. Até foi Subinspector.
Depois vem defender que aos Inspectores Chefes mais antigos deveria ser facilitada a passagem à disponibilidade, até atingirem a idade da aposentação.
Já vi tudo. Ele quer é ir-se embora.
Deixem reformar o senhor.

Anónimo disse...

Esta ideia do Sr. Figueira parece-me ser correcta. Todos nós sabemos que está na altura de fazer alguma coisa na orgânica funcional da PJ, e este modelo apresentado parece-me satisfazer as necessidades e sobre tudo conseguir um grau de eficácia muito satisfatório. Gostaria de lhe enviar os meus parabens por abordar aquela que quanto a mim é a maior deficiência da PJ.

Anónimo disse...

Estimado Companheiro

Concordando genéricamente com a ideia permite-me que lance duas ou três achas... Antes demais já vistes os anti-corpos que só o facto dessa ideia ser posta na mesa vai trazer? E depois falas de licenciatura de 3 ou 5 anos (E isto leva-nos ao facto da Escola não ter aproveitado a onda para passar, e aí bem, a ser um Instituto Superior dedicado apenas a fazer Mestrados em IC - mas também não me perguntes como se faria essa passagem)? Mas creio que antes de mais devia existir uma estratégia da PJ conducente a dar resposta eficaz aos Superiores Interesses do País no que ao combate ao crime (e não apenas organizado) diz respeito(e por aqui me fico pois haveria pano para mangas, e capa, etc.)

Anónimo disse...

Caro Inspector Chefe Figueira

Parabéns! Finalmente alguém tem a coragem de afirmar que a estrutura actual da PJ, apesar da sua "linearidade" claramente que tem duas funções - IC e CIC - cujas competências são idênticas. Assim, funcões com competências iguais só pode resultar em uma de duas coisas: conflito ou alguém nada faz.
Historicamente a função a " extinguir" seria a de CIC (antigos Inspectores)pois estes eram o Ministério Público na PJ ( era quem realizava o despacho de acusação/arquivamento), contudo , pelo facto de actualmente os IC se terem demitido das suas funções ( limitando-se a serem meros administrativos bem pagos, com raras e honrosas excepções), efectivamente os IC serão a categoria a extinguir.
Concordo consigo quando refere que nas anteriores leis orgânicas a antiguidade/ experiência tinha uma ponderação que, infelizmente, hoje não tem. Tal facto leva a que existam brigadas em que o Inspector mais velho tem apenas 6/7 anos de Policia o que é claramente pouco.
Toda esta temática das carreiras insere-se , do meu ponto de vista, de uma visão estratégica da PJ enquanto organização vocacionada para a investigação criminal, o que levaria a uma comentário muito vasto. Contudo espero um destes dias enviar uma artigo contribuíndo para o Blog.

Nuno Domingos, sócio da ASFIC