terça-feira, 15 de julho de 2008

Repensar a Polícia Judiciária (2)...

Atendendo ao número de comentários que o «post» anterior suscitou, e no decurso de muitas das ideias ali expostas, lanço um novo desafio.
Pelo que se depreende dos diversos comentários, estão três grandes modelos de organização da investigação criminal (IC) em debate:

1. Polícia Judiciária dependente do Procurador Geral da República (o sistema mantém as competências de IC disseminadas pelos diversos OPC’s – PJ fica com a criminalidade complexa e altamente organizada);

2. Um corpo único de investigação criminal (a IC da PJ, GNR, PSP e SEF são integradas num corpo único – modelo da PJ até ao início dos anos 90);

3. Modelo actual.

Aguardo os vossos comentários.

Carlos Costa

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Repensar a Polícia Judiciária...

Para reflexão de todos aqueles que visitam este espaço.

«A Procuradoria Geral da República deveria dispor de dois departamentos autónomos (vice-procuradorias), administrativa e tecnicamente, carreiras distintas: MP e PJ. [O Director Nacional da PJ seria um dos vice-procuradores)».

Será que temos medo de pensar em cenários alternativos, pois já todos percebemos que a PJ definha a cada dia que passa.
Bom fim de semana e bons pensamentos...

Carlos Costa

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Mistérios da credibilidade...

«O Diário de Notícias de hoje ( notícia aqui, via In Verbis) , publica uma reportagem, com chamada destacada, na primeira página, sobre escutas e vigilância ilegal, supostamente realizada por um departamento da Polícia Judiciária.

O assunto, demasiado grave, assume contornos ainda mais misteriosos depois da negação peremptória dessa notícia, que o director nacional e um sub-director da PJ, fizeram, hoje de manhã, anunciando a instauração de um processo crime ao jornal e autor da notícia.

Pode dizer-se: é o mínimo, perante esta enormidade de escândalo que se anuncia.

E no entanto, o jornalista do DN, ouviu pelo menos uma fonte, da PJ, que citou outras fontes, também daquela polícia e que assumem o teor da notícia e a existência de encomendas, por quem tem poder para tal, no sentido da vigilância ilegal, ilegítima e criminosa, no fim de contas.

O modo como o jornal conta os pormenores rocambolescos do encontro com o "arrependido", da PJ, merecem destaque:

"À entrada do restaurante a fonte do DN olhou em volta e escolheu a mesa mais próxima da televisão. Pensamos nas notícias que lhe pudessem interessar. Porém, explicou tratar-se do lugar mais seguro para evitar que a conversa fosse escutada. Entretanto, percebemos que a nossa volta em redor do edifício, antes de entrarmos, servira para verificar se por ali estaria estacionada alguma viatura suspeita. Todos os cuidados são poucos. Aconteceu ali a conversa com alguém conhecedor dos fantasmas que, por vezes, provocam “barulhinhos” nos telemóveis. Os tais “barulhinhos” denunciados pelo Procurador-Geral da República, mas que acabaram em águas de bacalhau. Mas que existem…Segundo a nossa fonte, os meios de espionagem do Departamento Central de Prevenção e Apoio Tecnológico (DCPAT), a “secreta” da Policia Judiciária (PJ), são muitos e sofisticados.A “mala”, com capacidade para interceptar comunicações, consegue, por exemplo, registar os números e IMEI (número de série) dos telemóveis que se encontrem ligados num raio demais ou menos 100 metros. Aquele sistema encontra-se colocado numa viatura estrategicamente estacionada e, desde aí, os agentes podem, depois, escutar as conversas em tempo real. Tudo isto sem que as operadoras de telemóvel tomem conhecimento, e sem mandado judicial.Como apoio de uma viatura no exterior, o DCPAT tem também a capacidade de acompanhar em directo, por áudio e vídeo, a conversa entre um agente e um suspeito. A micro câmara é colocada, por exemplo, na gravata. Está igualmente apetrechado para anular a rede de telemóvel num determinado local. Isto impede, por exemplo, o accionamento de uma bomba por telefone.Estes meios, e muitos outros são usados, por vezes, à margem da lei. Os agentes nunca aparecem, para não terem de ser mudados. Mesmo se a missão é legal, no âmbito de uma investigação, os relatórios são assinados pelos inspectores encarregues do caso, assumindo-os perante o tribunal, como se tivessem sido eles a realizar as diligências. Ou seja, testemunham falso. Toda a gente sabe. "

Evidentemente, as suspeitas, como se pode ver, fundadas, no sentido de existência de algo anormal, recaem sobre pessoal da polícia que tem por objectivo recolher informação, sob um comando.

Esse comando, tem nomes de responsáveis directos, aliás indicados na notícia: João Carreira e Sá Teixeira.

É a honra profissional deles que fica em causa, com esta notícia do DN. Presumem-se inocentes, como todo o acusado sem provas declaradas válidas, por um tribunal.

Para nosso bem, esperamos que sejam verdadeiramente inocentes e sem mácula deste jaez. A dúvida, porém, já foi instalada e importa esclarecer tudo e no mais curto espaço de tempo possível.

Como? Não será certamente nos processos crime anunciados. Será efectivamente, através do apuramente da credibilidade que merece a notícia publicada, nomeadamente da sua fonte ou fontes directas. Nenhum jornalista está livre de acreditar num paranóico ou perturbado mental, decidido a contar histórias mirabolantes. Nenhum está livre de ser manipulado por um transviado do dever que decide trair uma instituição por motivos dúbios ou mesmo aceitáveis.

Mas todo o jornalista está obrigado a saber distinguir a verdade, de uma manipulação, através de perícia profissional de quem está habituado a sentir o feeling de verdade numa notícia.

Um denunciante deste calibre, só pode e tem de ser visto e ouvido como um autêntico "whistle blower", figura grada dos americanos e que por cá, se costuma apelidar de bufo, cobarde e outros epítetos reservados aos anónimos preocupados com o bem estar geral e comum.

E é isso que não sabemos da notícia do DN. Não podemos aferir a credibilidade da fonte do jornalista, porque não podemos saber se merece mesmo credibilidade. Saberá o jornalista ao menos, como parece indicar?

No jornalismo português, ao contrário de um certo jornalismo americano, com base nos Washington Post e New Yor Times, uma notícia destas, só sairia, com grande base de sustentação em factos recolhidos e aceites pela direcção do jornal como válidos. O exemplo, reside no caso Watergate e no que ele ensina ao jornalismo em geral.

O Diário de Notícias português merece a mesma credibilidade, num caso como este?

Tenho dúvidas. Sérias dúvidas, perante o modo como o jornal actuou em outros casos menores. E tenho dúvidas que a direcção do jornal tenha bem presente a gravidade e implicação séria do que acaba de publicar.

Assim, o que resulta da notícia do DN e do desmentido da direcção nacionald a PJ, é um enorme vazio de credibilidade indiscutível, que atinge tanto um como outro campo. No jornalismo, não podemos confiar cegamente em quem nos pode já ter iludido ou em quem não se assegurou previamente da gravidade de uma denúncia destas, recolhendo provas para além da mera denúncia de um qualquer arrependido feito "garganta funda".

Na PJ, não poderemos acreditar também, cega e piamente, porque estas coisas não se podem desmentir assim. Pode apenas desmentir-se que a PJ enquanto instituição, não pactua nem pode pactuar com estes métodos, ilegais e criminosos. Foi esse o sentido do desmentido, mas não é esse o motico da preocupação pública que já não é nova e até entidades oficias, o tem insinuado.

No entanto, nunca uma instituição, pode garantir que um ou outro dos seus membros, se tiver tempo, oportunidade e motivo para tal, não venha a cometer ilícitos dentro dos mesmos muros que albergam a direcção nacional da polícia. Como aliás, se comprovou recentemente, com a detecção de acções deste género, da responsabilidade de um agente.

Para a descoberta deste mistério, num sentido ou noutro, ou seja, para se saber, com saber certo, se alguém andou a pisar o risco da legalidade, só mesmo um Sherlock Holmes.

Ou um Columbo...

O que é dramático».

In; http://grandelojadoqueijolimiano.blogspot.com/2008/07/mistrios-da-credibilidade.html#links

Repensar a Carreira de Investigação Criminal

Quando tomei posse como Agente Estagiário da Polícia Judiciária, há perto de 25 anos, a nossa estrutura orgânica era simples, clara e eficaz. De facto, os investigadores integravam equipas de trabalho com 5 ou 6 pessoas, designadas Brigadas que, por sua vez, em número de 2 a 4 se enquadravam em Secções, dirigidas por Inspectores e apoiadas por uma estrutura administrativa e de apoio. Não havia outras modalidades. Era só assim. Que saudade…

Penso que a entrada em vigor do Código de Processo Penal de 1987, potenciou alterações, de facto, nos conteúdos funcionais das várias categorias profissionais na nossa Polícia, e dessa forma, causou alguma confusão a nível da estrutura organizacional. Parece que ainda não se conseguiu ultrapassar essa situação.

Assim, hoje temos Brigadas com 2 funcionários e Brigadas com 9, equipas de trabalho com vários Inspectores e eufemísticamente designadas por Núcleos, Brigadas chefiadas por Inspectores, Secções dirigidas por Inspectores Chefes, outras dirigidas por Coordenadores Superiores, Secções sem um único Inspector Chefe… Enfim, é, hoje, muito difícil (eventualmente mesmo impossível) explicar (e compreender) a nossa organização hierárquica e administrativa.

De resto, as bases da diferenciação hierárquica tradicional assentavam, para além da competência, na antiguidade ou nas habilitações académicas. Ora estes dois últimos requisitos deixam de ter, cada vez mais, razão de ser, porque a antiguidade está, nos modelos de administração pública como o nosso, cada vez mais a ser posta de lado como valor para promoção (lembremo-nos do famoso “princípio de Peter”) e porque o nível académico de acesso é, hoje, o da licenciatura, comum a todos.

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Sendo Inspector Chefe dos mais antigos (ainda fui Subinspector), não tenho dúvida em afirmar, com o devido respeito por outra opinião, que o modelo que parece mais adequado e correcto é o tradicional, e que o mesmo devia constar em regulamentação própria para poder ter força efectiva.

Assim, um Inspector Chefe serviria para chefiar uma Brigada, a qual teria um efectivo expressamente definido (por exemplo) entre os 4 e os 9 Inspectores, um Coordenador de Investigação Criminal teria a direcção de uma Secção, unidade orgânica integrando 2 a 4 Brigadas, e a um Coordenador Superior de Investigação Criminal competiria a gestão superior de um conjunto de Secções no seio de um departamento maior ou a direcção de Unidades orgânicas territorialmente autónomas. Admitir-se-ia a constituição dos tais Núcleos, de composição variável e existência temporalmente limitada, sempre que fosse necessário fazer face a um problema concreto e específico, um pouco à maneira dos “task groups” dos americanos. Tão simples como isto.

...

Contudo outras opiniões podem existir e outros modelos poderão ter de ser considerados. Os quatro níveis hierárquicos hoje existentes podem, eventualmente, ser considerados excessivos. Há serviços policiais estrangeiros nossos congéneres, com apenas duas categorias hierárquicas: os “special agents” e os “supervisors” no F.B.I., por exemplo. Na sua orgânica interna existem estruturas semelhantes às nossas Secções, com um “supervisor” e um grupo alargado de “special agents”, de onde se formam os “task groups”, com composição, duração e especificidades adequadas à tarefa concreta que lhes irá ser atribuída.

Assim passaríamos a ter, apenas, Coordenadores de Investigação Criminal e Inspectores e a nossa orgânica interna assentaria nas Secções de onde se constituiriam, sempre e quando necessário, Núcleos de Investigação, de composição e duração variáveis. Também assim se poderia trabalhar, eficaz e motivadamente.

Pode perguntar-se o que iria acontecer aos actuais Inspectores Chefes. Uma solução fácil e flexível seria, por exemplo, de facultar aos melhores deles, por meio de concurso ou mesmo de escolha, o acesso a cursos de promoção. Lembremo-nos que, com este novo modelo, o quadro de Coordenadores de Investigação Criminal teria, necessáriamente de ser aumentado. Aos mais antigos seria facilitada a passagem à disponibilidade, até atingirem a idade da aposentação. Os restantes, ficariam num quadro a extinguir quando vagasse, até reunirem as condições para concorrer à promoção ou à passagem à disponibilidade. Lembre-se que nem somos muitos. Devemos rondar os 150.

Quanto aos Inspectores, passariam a aceder directamente ao posto seguinte, o de Coordenador de Investigação Criminal, como hoje já podem fazer, mas assim (e a curto prazo), sem a concorrência dos Inspectores Chefes.

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Fica a ideia. Penso ser a altura oportuna de analisar estes e outros aspectos. A estrutura da nossa carreira está para ser repensada face às alterações das carreiras na função pública e, de alguma forma, também somos parte interessada. Pode (e deve) ser, também, no seio da A.S.F.I.C.P.J. que este tema deve ser analisado e debatido.


João Fernandes Figueira
Associado nº 771 da A.S.F.I.C.P.J.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Ainda o caso "Maddie"....

«O chamado 'caso Maddie' foi um desastre. Por mim, sempre me indignei com a ligeireza com que certos polícias, ex-polícias e jornalistas amigos de polícias insinuaram que os pais da crianças eram os responsáveis pela sua morte. Mesmo sem saberem se, de facto, havia morte.

Escrevi-o, disse-o na televisão e mantenho que, caso se provasse que o casal era culpado, eu perderia completamente a confiança na condição humana.

Pois bem, felizmente não perdi essa confiança, mas passei, infelizmente, a desconfiar muito mais dos nossos métodos de investigação.

O que me é dado entender é que a nossa polícia não investiga: faz conjecturas. O desplante com que um ex-polícia dizia qualquer coisa como 'não foi provado o crime, mas também não foi provado o rapto', mostra como certas pessoas na PJ se sentem mais magistrados, mesmo juízes, do que investigadores. E, para que não se pense que há corporativismo, o mesmo digo - sem qualquer hesitação - de certos jornalistas, para quem a verdade é o que lhe diz uma fonte da polícia, ainda que o bom senso contrarie a lógica dessa pretensa verdade.

A nossa polícia de investigação tinha os olhos do mundo sobre ela. O que fez foi desastroso. Transformou em arguido - com a arrogância própria de quem sabe que arguido é um termo esquivo - os pais de Maddie e, simultaneamente, enviou sub-repticiamente para a opinião pública sinais de uma conjectura que foram dando como se estivesse provada: que a menina tinha morrido e que os pais tinham ocultado o cadáver.

Poucos jornais (orgulho-me de o Expresso ter sido um deles) escaparam desta lógica. E, passados estes 14 meses, a mesma gente que alimentou um mito, acusou sem provas um casal a quem a filha lhe desaparecera e deu do nosso país uma imagem terceiro-mundista, não pede desculpa.

Ao contrário, desculpa-se.

Desculpa-se com poderes ocultos no processo, com o Governo inglês, com o que mais vier. É gente mesquinha, pequena, sem qualquer grandeza.

Alguns jornais chegam ao ponto de parecer ter esperança que o casal seja acusado de "exposição ao abandono", como se quem sopra essa hipótese não soubesse que jamais se poderá provar o dolo, ou seja a intenção, por parte do casal em abandonar a filha, requisito indispensável para tal acusação.

Enfim, um desastre total, o 'caso Maddie', apesar de toda a gente conhecer os riscos desta investigação. E, o pior, é que ninguém será responsabilizado por esta enormidade».

Henrique Monteiro, in Jornal EXPRESSO, 5 de Julho de 2008.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

CONVERSA ENTRE POLÍCIAS…

Quando, em fins de 1983 (já lá vão cerca de 25 anos) eu e alguns colegas, concluído o curso de formação na Escola, fomos colocados no Núcleo de Estágio a funcionar na então S.C.I.T.E./C.I.C.D., instalada ao fundo da Rua Conde de Redondo, ali fomos encontrar um grupo de investigadores policiais cujas características, individuais e de grupo, e a forma de trabalhar, nos levou (pelo menos à maior parte de nós) a ali querer ser definitivamente colocados.

De facto, a motivação e a dedicação ao serviço, o entusiasmo e alegria com que desempenhavam as suas funções, a competência e o profissionalismo que demonstravam foram, para nós, recém formados na Escola do Barro, a certeza de que a profissão que então iniciávamos se traduzia numa actividade plena de realização e numa carreira magnífica e com um futuro radioso.

Grande parte desses colegas eram sensivelmente da nossa idade, pouco mais antigos que nós, do curso imediatamente anterior e, assim, com o respectivo estágio recentemente terminado.

Entre eles estava o Gonçalo Amaral. Talvez com mais cabelo que agora e, eventualmente, um pouco menos pesado. No resto, era igual. Já na altura nos surpreendia a sua entrega à profissão, a competência que demonstrava, a segurança com que trabalhava, a coragem com que ia a todo o lado e enfrentava todo o tipo de situações e de adversários. Da mesma forma, era notória a boa disposição com que enfrentava as contrariedades e as adversidades da função, bem como a tolerância com que encarava as brincadeiras, às vezes irreverentes de um ou outro colega (e eu que o diga, que a consciência me acusa de o ter sido, não poucas vezes).

Posteriormente o Gonçalo viria a trabalhar em Faro e em Ponta Delgada. Sempre com a disponibilidade pessoal e a capacidade profissional que lhe são características. E em todas as inúmeras valências que revestem hoje o trabalho de um investigador da Polícia Judiciária. Investigando homicídios ou recolhendo informações sobre redes criminosas organizadas. Analisando documentação relativa a complexas movimentações financeiras ou capturando indivíduos perigosos. Sem fugir ás dificuldades nem esmorecer face às contrariedades. Dando a cara e indo à luta. Sempre.

De novo em Lisboa e no combate ao tráfico de droga, foi o Gonçalo nomeado, ainda como Agente, para chefiar uma Brigada de Investigação na D.C.I.T.E. Quem estava, nessa altura, nesse departamento, lembra-se que os resultados conseguidos por essa Brigada, sob a chefia carismática do Gonçalo Amaral, logo ultrapassaram a média das estatísticas. Os números conseguidos por si e pelos seus homens, quer quanto a indivíduos detidos, quer quanto a produto estupefaciente ou aos bens e valores apreendidos, quer, mesmo a condenações conseguidas em Tribunal marcaram uma época na D.C.I.T.E. e constituíram um exemplo.

Eu sei. Lembro-me bem. Estava lá.
Acumularia a chefia da Brigada com a condição de aluno universitário. E a sua forma característica de chefiar, sempre directa e frontal, num estilo de liderança permanente e plenamente assumido, sempre presente e sempre disponível, não o impossibilitou de, no mais curto espaço de tempo permitido, se licenciar em Direito. Não obstante a sua formação anterior ser de Engenharia.

Voltámos a encontrar-nos no curso de promoção a Subinspector. Uma vez mais o Gonçalo deu mostras da sua notável capacidade de trabalho, pois que fez este curso, intensivo e exigente, em acumulação com a chefia da Brigada de Investigação. Patente ficou, também e uma vez mais, a sua significativa capacidade de estudo, tendo concluído o curso em primeiro lugar entre 99 colegas.
Viria, posteriormente e na sequência lógica e natural da sua carreira profissional e do seu percurso de vida, a concorrer a Coordenador de Investigação Criminal e, como era de esperar, era promovido àquela categoria funcional pouco tempo depois.

Depois…
Bem, há cerca de um ano, todos nós assistimos, estupefactos, a uma espécie de espectáculo até então inédito entre nós. Como nos Autos de Fé do passado, certa comunicação social (principalmente inglesa, mas infelizmente não só essa) “derreteu” na praça pública um Homem da Polícia Judiciária portuguesa. Quadro superior da carreira de Investigação Criminal. Colega nosso e amigo de muitos de nós. Um assassínio de carácter como nenhum outro funcionário desta Casa tinha sido vítima até então. E porquê?
Porque, como sempre foi seu apanágio, o Dr. Gonçalo Amaral, Coordenador de Investigação Criminal da Polícia Judiciária, foi à luta, empenhou-se, assumiu, enfrentou, corajosa e decididamente, as dificuldades e as contrariedades de um caso de serviço muitíssimo complexo e de contornos ainda, e quiçá para sempre, indefinidos.

Talvez pela primeira vez na História da Polícia Judiciária, um investigador é exposto na praça pública e a sua vida privada devassada. Apenas por estar a investigar um determinado caso suspeito. Por estar a trabalhar. Talvez o Estado Português, a Administração Pública, a nossa Polícia Judiciária, devessem ter mecanismos para proteger os seus representantes em situações como esta. Para os resguardar no exercício da sua actividade profissional em proveito do Serviço Público. Talvez todos nós, colegas de profissão, nos devêssemos ter assumido e, fazendo jus ao famoso, tradicional e tão apregoado “Espírito de Corpo” que dizem característico da nossa “Casa”, nos devêssemos ter, de alguma forma, manifestado em apoio do Dr. Gonçalo Amaral.

Nada disso aconteceu. O Gonçalo ficou sozinho.
Se esta estratégia pegar, amanhã, face a arguidos poderosos e bem relacionados, poderão ser outros investigadores a sofrerem na pele esta provação. Poderá ser qualquer um de nós. E isso pode, de alguma forma, significar o fim da investigação criminal. Pelo menos da maneira como nós a encaramos e a desenvolvemos.

Que este caso nos sirva de reflexão. E de exemplo. E nos permita criar formas de evitar que se repita. A própria ASFICPJ deveria, talvez, analisar, séria, conscienciosa e exaustivamente, e de forma serena e construtiva, toda esta situação. É, também, sua obrigação.

Amigo Gonçalo, lamento sinceramente a tua saída da Polícia Judiciária, que me parece demasiado precoce porque admito que mais poderias dar à causa da Sociedade, da Justiça e do Serviço Público. A nossa “Casa”, para além disso, não dispõe de tantos recursos, em qualidade e quantidade, para se dar ao luxo de os não rentabilizar ou, pior ainda, de os deixar desperdiçar.

Resta-me, face à realidade dos factos, agradecer a tua amizade e desejar-te as maiores felicidades e os maiores sucessos na nova etapa da tua vida que agora decidiste iniciar.

Lisboa, 03 de Julho de 2008,

João Fernandes Figueira
Associado da A.S.F.I.C./P.J. nº. 711